ANTÓNIO NÓVOA, O GARIMPADOR DE
HISTÓRIAS DE VIDA
Ao estudar a formação docente,
este português virou grande nome do debate pedagógico atual - Por: Márcio
Ferrari
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Antônio Nóvoa |
O português António Nóvoa,
historiador da Educação e reitor da Universidade de Lisboa, é um dos
intelectuais de maior circulação internacional no debate pedagógico atual. Como
o suíço Philippe Perrenoud e o espanhol César Coll, ele pertence a uma geração
que concentra atenções em aspectos intra-escolares, como currículos e
competências, formação inicial e continuada e processos de aprendizagem. A
capacitação de professores é o tema que ele privilegiou.
"Nóvoa reúne três
características: o rigor teórico e conceitual da investigação historiográfica,
o tato e a sensibilidade pedagógicos e um raro talento de liderança", diz
Carlota Boto, professora de Filosofia da Educação da Universidade de São Paulo.
Prova de que adota para si o engajamento que apregoa é ele ter assumido como
reitor, em Lisboa, justamente na época de discussão do Tratado de Bolonha, que
propõe a unificação do Ensino Superior na União Européia.
Para ele, a teoria e a ação
educativas são duas vertentes indissociáveis. Na exploração de seus temas de
estudo, Nóvoa faz uso de instrumentos teóricos heterogêneos à procura de
conclusões que não estejam evidentes na superfície dos fatos. Ele trabalha com
o método historiográfico e adota uma perspectiva comparada, o que se reflete
nos livros que organiza - em geral, compostos de capítulos escritos por
diferentes autores, muitas vezes de vários países, em torno de um assunto
comum.
Provavelmente os dois
trabalhos mais conhecidos sejam Profissão Professor e Vidas de Professores,
ambos publicados na década de 1990. "O estudo das histórias de vida
aparece como ferramenta para identificar como se constroem, no interior da ação
educativa, os saberes do cotidiano escolar", diz Carlota Boto. Em Vidas de
Professores, há uma série de textos sobre a história do ofício e muitos
questionamentos sobre o desenvolvimento da carreira. Como ensinam de fato os
professores? A que valores eles aderem? Quais são os conteúdos pedagógicos que
privilegiam? Por que determinado profissional é engajado e outro não?
Essa investigação levou Nóvoa
ao tema da formação, vista não como uma acumulação de competências e intuições,
mas como uma evolução biográfica - ou seja, a vida do profissional é, antes de
qualquer coisa, a vida da pessoa que trabalha como professor. "Todo conhecimento
é autoconhecimento e toda formação é autoformação", diz ele. Por isso, a
prática pedagógica inclui o indivíduo, suas singularidades e seus afetos.
O foco na formação é
antecedido, na trajetória intelectual de Nóvoa e também em seu método de
análise, por uma reflexão a respeito dos elementos que constituem a identidade
profissional. "A identidade não é um dado adquirido, não é uma
propriedade, não é um produto", escreveu. "Ela é um lugar de lutas e
conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na
profissão."
O educador português acredita
que o melhor lugar para os professores construírem suas histórias é o próprio
local de trabalho. "É no espaço concreto de cada escola, em torno de
problemas reais, que se desenvolve a verdadeira formação", disse ele em
entrevista a NOVA ESCOLA em 2001. "Universidades e especialistas externos
são importantes no plano teórico e metodológico. Mas todo esse conhecimento só
terá eficácia se o professor conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo
com seu processo de desenvolvimento profissional."
Não às modas pedagógicas
Essa construção da identidade,
assim, é o único antídoto à tentação das modas pedagógicas - fenômeno que está
entre suas principais preocupações. Sem a devida reflexão crítica, diz Nóvoa, o
"efeito moda não passa de uma opção preguiçosa, pois é a reflexão sobre a
experiência que é formadora, não a experiência por si só". E, para que a
reflexão dê frutos, é indispensável que seja sistemática, continuada e,
sobretudo, coletiva. "A articulação entre teoria e prática só funciona se
não houver divisão de tarefas e todos se sentirem responsáveis por facilitar
essa relação entre os dois campos."
Como uma figura pública
diretamente comprometida com os grandes debates educacionais, ele recomenda aos
professores uma atuação que não se prenda apenas aos interesses corporativos,
mas contemple as questões diretamente ligadas ao ensino e à aprendizagem.
"É preciso participar de movimentos pedagógicos que reúnam profissionais
de origens diversas em torno de um mesmo programa de renovação do ensino",
afirma.
Reflexão e renovação são
palavras caras a Nóvoa num momento em que, ele acredita, a Educação em todo o
mundo vive várias crises simultâneas. Não só a tecnologia impõe uma série de
questões sobre o papel e o currículo das escolas, mas também a multiplicidade
étnica e cultural dos estudantes não encontra atendimento satisfatório nos
formatos tradicionais de ensino. Com a crise do Estado iniciada nas últimas
décadas, também a "lógica pública" do sistema educacional responde
mal às demandas sociais. "Foi uma das grandes mentiras do século 20 dizer
às classes populares que, se fizessem um grande esforço para obter um diploma
escolar, teriam uma vida melhor. Hoje há uma necessidade de ressignificar o
sentido da escola", defende.
Biografia
Doutor, ele é autor de mais de
100 textos
António Manuel Seixas de
Sampaio da Nóvoa nasceu em 1954, em Valença do Minho. Cursou o ensino básico em
escolas públicas de Portugal e, em 1972, entrou na Universidade de Lisboa para
estudar Ciências da Educação. Lecionou na Universidade de Genebra (Suíça) entre
1978 e 1986, enquanto fazia mestrado e doutorado sobre o processo de
profissionalização docente em seu país natal. Tornou-se em seguida catedrático
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Em 1993 e 1994, atuou como convidado em universidades norte-americanas. Foi
presidente da Associação Internacional de História da Educação entre 2000 e
2003. Em 2006, elegeu-se reitor da Universidade de Lisboa. É autor de mais de
100 trabalhos científicos na área pedagógica e tem se destacado como
organizador de grandes debates internacionais sobre o ensino. Nóvoa é casado e
tem um filho.
O CAMINHO DE NÓVOA
A questão do método e dos
enfoques teóricos
Um dos motivos que levaram
António Nóvoa e seus contemporâneos a tentar novos enfoques teóricos foi o
questionamento geral de métodos e valores científicos que marcaram a reflexão
acadêmica no início dos anos 1960. Autores como Michel Foucault fizeram uma
crítica profunda dos métodos hegemônicos de análise, começando pelas noções de
sujeito e objeto e culminando com a necessidade de rever as generalizações.
Trata-se de "passar da análise dos fatos à análise dos sentidos dos
fatos", segundo Nóvoa. Ele viu na abordagem biográfica um caminho
promissor para superar impasses. O estudo de trajetórias individuais vira um
modo de recuperar aspectos que se perdem na generalidade. Porém Nóvoa é o
primeiro a alertar para a importância do ceticismo e do método na investigação
biográfica, sob pena de embarcar numa atividade simplória e anticientífica.
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