Amanda
Magalhães Alkmim Thramm
Foto: Professor Lázaro Mariano - 13/10/2012 (Estrada para Chachoeira Casca D'anta - São Roque de Minas - Ao fundo a Serra da Canastra) |
O
psiquiatra Alfredo Diniz chega em Barbacena para o seu primeiro dia de
trabalho. Estava ansioso para começar seu projeto de inclusão social dos
pacientes permanentes do manicômio. Chamou a assistente social Marlene para
relatar o histórico médico do senhor Francisco José Pereira dos Santos, seu
primeiro caso.
-
Mas, me fale mais dona Marlene. Como ele se relaciona com os outros pacientes e
de onde ele veio?
-
Olha, até que ele é querido aqui. Principalmente pelos casos que conta e pelas
músicas que tira na velha viola. Ele veio da cidade de São Francisco, no
interior de Minas Gerais.
-
Pegue o prontuário dele, por favor.
Marlene foi no arquivo, pois há muito ele não adoecia e nem tinha crises. Porém, quando veio para o manicômio, ele estava completamente desequilibrado. Gritava incessantemente por Inocência, uma bela morena recém casada com ele.
Era outubro de 1979, o rio São Francisco subira 13 metros, era a última grande cheia, que inundou a cidade. Inocência tinha atravessado para Santa Izabel de Minas do outro lado do rio. Já havia anoitecido e nada dela voltar. O Chico estava aflito, mas, quem segura a brava morena? Acostumada com o barco e sem temer nem uma tempestade! O seu amor a buscou lá em Carinhanha na Bahia. Seu patrão, o fazendeiro Januário Durães mandou que fosse comprar uma tarrafa do compadre Sebastião. O pescador comprou a passagem do Gaiola e desceu rio abaixo com sua viola e um embornal.
Chegando na cidade ao entardecer, cumpriu sua tarefa e foi tocar no “pau do fuxico”, uma imensa árvore na beira do rio. Lá se reuniam homens de Carinhanha, de homens simples até os políticos. Chico começou a entoar uma moda de viola, quando avistou Inocência. O homem ficou embasbacado, o vento suspendia levemente o vestido da moça que cobria o corpo moreno. Era muito bela, a danada da Inocência. Moça independente e decidida pescava mais do que qualquer um do lugar. Chegava a viajar sozinha para vender seus peixes e
“Oh,
morena bonita do laço de fita, prendeu de mau jeito o meu coração...”
- Quem é ocê, moço? Eu nunca lhe vi aqui.
Marlene foi no arquivo, pois há muito ele não adoecia e nem tinha crises. Porém, quando veio para o manicômio, ele estava completamente desequilibrado. Gritava incessantemente por Inocência, uma bela morena recém casada com ele.
Era outubro de 1979, o rio São Francisco subira 13 metros, era a última grande cheia, que inundou a cidade. Inocência tinha atravessado para Santa Izabel de Minas do outro lado do rio. Já havia anoitecido e nada dela voltar. O Chico estava aflito, mas, quem segura a brava morena? Acostumada com o barco e sem temer nem uma tempestade! O seu amor a buscou lá em Carinhanha na Bahia. Seu patrão, o fazendeiro Januário Durães mandou que fosse comprar uma tarrafa do compadre Sebastião. O pescador comprou a passagem do Gaiola e desceu rio abaixo com sua viola e um embornal.
Chegando na cidade ao entardecer, cumpriu sua tarefa e foi tocar no “pau do fuxico”, uma imensa árvore na beira do rio. Lá se reuniam homens de Carinhanha, de homens simples até os políticos. Chico começou a entoar uma moda de viola, quando avistou Inocência. O homem ficou embasbacado, o vento suspendia levemente o vestido da moça que cobria o corpo moreno. Era muito bela, a danada da Inocência. Moça independente e decidida pescava mais do que qualquer um do lugar. Chegava a viajar sozinha para vender seus peixes e
alimentava
três irmãos menores. Não tinha pai ou mãe. Chico foi ao seu encontro, já
tocando uma canção:
- Quem é ocê, moço? Eu nunca lhe vi aqui.
-
Sou o Chico de São Francisco, morena. Vim aqui mode comprá uma tarrafa pro
patrão.
O
conversê durou horas a fio. Chico prometeu que voltaria. E enquanto isso
mandava bilhetes pelo seu Joaquim do Gaiola. Não demorou muito e se casaram.
Festejaram na rua mesmo na praça principal, em frente à casa da Careta, uma
construção do século XVIII. Leva esse nome porque no alto de sua fachada tem um
rosto enorme de um português bigodudo ladeado por dois peixes. Os noivos
dançaram o Lundu a noite inteira e o povo de Carinhanha admirava a alegria dos
dois.
Como
já dizia, Inocência demorava voltar de Santa Izabel. Já era noite fechada
quando Chico enxergou o barco, ele vinha balançando muito. O tempo estava para
chuva e essa não demorou a cair. O coração do pescador saltitava e quase foi a boca
quando cansada de pelejar com os remos Inocência perdeu o controle do barco e
caiu. Chico se lançou no rio e nadava como um louco para salvar o seu amor. Ela
bem que tentou dar algumas braçadas, porém o cansaço a dobrou. Gritava o marido
por socorro, mas o rio havia invadido as casas e o povo corria de um lado para
o outro tentando salvar o que podia. Quando aproximou da amada, ela boiava
sobre as águas do São Francisco. Quando o rio a chamava de volta, antes de
afundar, Chico a pegou pelos braços e desesperado chorava e a beijava tanto que
junto com ela começou a afundar. Como pôde o rio que tanto amava, motivo de
suas modas de viola, arrancar daquele jeito aquela que era sua própria vida?
Foi aí, que parou de lutar. Que levasse então ele com ela, para que viver sem
Inocência? Contudo, foi lançado pelas águas na beira do rio amigo e alguns
pescadores o levantaram e o levaram para um bar.
-
Dê pra ele uma dose da marvada, Zé.
-
Mas é o Chico minha gente! O que aconteceu?
-
Coitado Zé. Inocência é falecida, morreu há pouco no rio. O Chico bem que
tentou, só não teve jeito.
No
prontuário, o doutor Alfredo viu que o paciente havia chegado com um surto
psicótico, gritando sem parar o nome de Inocência. Foi levado pelos
pescadores,
pois tinha dias que gritava para o rio São Francisco devolver a sua morena.
Aparentemente não percebia que o tempo passava, cantava e falava dela como se
tivesse viajado e iria voltar. Como não tinha parentes, foi ficando por lá. O
último registro médico era de vinte anos atrás.
Era o dia da primeira consulta. O médico dispensou o uso do consultório e foi encontrar com o Chico no banquinho do jardim.
- Como vai Senhor Francisco. Eu sou o Alfredo, seu novo médico, e eu vou ajudar o senhor.
O que isso, doutor? Não se avexe não, eu não to doente, apenas perdi o coração. É que Inocência a falecida, quando partiu, levou ele com ela. Isso foi a uns trinta anos passado. Eu sou um barranqueiro, lá de São Francisco, o senhor conhece?
- Não Francisco, eu nunca fui pra aqueles lados.
- Oia doutor, cidade boa ta lá. Não sei como ta agora, porque o meu amigo andou fazendo umas bagunças por lá.
- Seu amigo?
- Você não tem vontade de voltar para sua cidade, Francisco?
Era o dia da primeira consulta. O médico dispensou o uso do consultório e foi encontrar com o Chico no banquinho do jardim.
- Como vai Senhor Francisco. Eu sou o Alfredo, seu novo médico, e eu vou ajudar o senhor.
O que isso, doutor? Não se avexe não, eu não to doente, apenas perdi o coração. É que Inocência a falecida, quando partiu, levou ele com ela. Isso foi a uns trinta anos passado. Eu sou um barranqueiro, lá de São Francisco, o senhor conhece?
- Não Francisco, eu nunca fui pra aqueles lados.
- Oia doutor, cidade boa ta lá. Não sei como ta agora, porque o meu amigo andou fazendo umas bagunças por lá.
- Seu amigo?
-
É doutor. O velho Chico, meu xará. Foi a maior cheia que se tem notícia, num
sobrou barraco em pé na sua beira.
- Você não tem vontade de voltar para sua cidade, Francisco?
-
Ah, não doutor, ele ta brigado com ieu, levou até minha muié. Só que não quero
pensar nisso que o peito estufa de dor. Não vou voltar pro meu sertão.
No
ínterim, era o aniversário do rio São Francisco, 500 anos completava o amigo do
Chico. E da salinha de televisão, veio correndo o Juraci gritando sem parar.
-
Vem vê seu Chico, ta passando na televisão sobre o rio da sua terra.
Chico e o doutor foram até a sala e viram a reportagem do estado atual do São Francisco. Maltratado, assoreado e esquecido, agonizava desde Minas, passando pela Bahia, Sergipe e Alagoas. O velho pescador nada dizia, só corriam intermitentes, as lágrimas que suas rugas cobriam.
Eu tenho que voltar, doutor. O meu amigo ta morrendo.
UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros
Chico e o doutor foram até a sala e viram a reportagem do estado atual do São Francisco. Maltratado, assoreado e esquecido, agonizava desde Minas, passando pela Bahia, Sergipe e Alagoas. O velho pescador nada dizia, só corriam intermitentes, as lágrimas que suas rugas cobriam.
Eu tenho que voltar, doutor. O meu amigo ta morrendo.
Conto
premiado:
UEMG
– Universidade Estadual de Minas Gerais.UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros
Nenhum comentário:
Postar um comentário